Eu poderia dizer que essa foi uma viagem pra descansar. Ou pra ver arte, comer bem e revisitar um lugar conhecido com novos olhos. Mas a verdade é que ela começou como muitas viagens começam: com uma vontade de sair do automático. De trocar o cenário, sim — mas também o ritmo, o modo, o olhar.
A princípio, seriam cinco dias. Mas conforme o roteiro foi ganhando corpo (e alma), percebi que não queria só passar por Minas. Queria ficar um pouco mais. Me permitir viver esses lugares de um jeito mais inteiro. E foi assim que a viagem virou seis dias — e terminou como precisava: com tempo de respiro, natureza e arte viva.
Não fui com um roteiro pronto. Fui com uma intenção: estar presente, andar com calma e permitir que os lugares também me atravessassem.
Fiz escolhas reais, sem fórmulas. Entre igrejas, museus, comida de afeto e caminhadas silenciosas, encontrei um tipo de viagem que não tem pressa — mas tem presença.
Esse artigo não é um guia. É quase um diário com estrutura.
Aqui você não vai encontrar “o que fazer em x dias”, mas talvez encontre algo mais importante: um jeito diferente de caminhar.
Por que escolhi esse destino?
Foi uma escolha possível — de tempo, de orçamento, de logística. Mas também foi um desejo antigo, que vinha crescendo baixinho.
Minas tem esse lugar de encontro pra mim: de beleza, pausa, profundidade. É história viva, mas também é afeto. É comida no prato e silêncio bom nas ladeiras.
Ouro Preto veio primeiro no plano. Porque sempre mexe comigo — pela força, pela arquitetura, pela densidade. Não é cidade pra olhar rápido. É cidade que exige tempo.
Lavras Novas entrou como contraponto. Um vilarejo tranquilo, alto, onde o tempo corre mais devagar. Escolhi passar uma noite ali pra respirar. Foi uma das melhores decisões.
Belo Horizonte já era conhecida, mas quis voltar pra andar devagar, rever coisas com outros olhos, comer o que ficou na memória. E dessa vez, com um adendo: terminar a viagem com um presente.
Inhotim sempre esteve na lista. E percebi que não poderia ir até ali tão perto e não esticar até Brumadinho. Terminei a viagem onde a arte e a natureza se encontram — e saí diferente.
Como planejei (e vivi) essa viagem
O tempo que eu tinha — e o ritmo que escolhi
Foram seis dias inteiros, começando numa quinta-feira e voltando na terça. Um tempo bom: suficiente pra viver cada lugar com profundidade, sem correria, e ainda voltar pra casa sem aquele cansaço que às vezes estraga a volta. O ritmo foi calmo, consciente. Do jeito que eu precisava.
Conforto consciente: o que fez sentido investir
Sabia que queria conforto em pontos estratégicos. Em Ouro Preto, investi numa pousada no centro histórico, com café da manhã de verdade e acesso fácil a pé. Em Lavras Novas, escolhi uma hospedagem mais completa, com estrutura boa e clima de refúgio. E em BH, fiquei numa região que eu já conhecia — perto da Savassi — só pra facilitar os deslocamentos e terminar com leveza.
Os caminhos que escolhi pra me mover
Escolhi conforto e praticidade do começo ao fim.
Como estava sozinha e queria viajar leve — sem estresse com estrada ou horários de ônibus — contratei uma agência para fazer todos os transfers, desde a chegada no aeroporto de Confins até Ouro Preto, Lavras Novas, BH, Inhotim e o retorno final.
Foi a melhor escolha. Cada deslocamento virou um momento tranquilo, sem pressa, sem tensão. Pude chegar descansada nos lugares, aproveitar mais e me sentir segura o tempo todo.
O tipo de viagem que eu realmente queria fazer
Era um roteiro híbrido: com um pouco de tudo que me faz bem.
Queria arte e memória — e encontrei isso nas igrejas, museus e galerias.
Queria natureza leve — e vivi isso nas trilhas, nas cachoeiras e nos jardins de Inhotim.
Queria comida com afeto — e isso Minas entrega sem nem pedir.
E, mais do que tudo, queria caminhar com leveza, sem pressão de “ver tudo”.
Hora de sair do papel e viver o caminho
Com tudo planejado — os deslocamentos organizados, as hospedagens escolhidas com intenção, o ritmo desenhado com calma — chegou o momento de transformar ideia em experiência. A mala já não pesava mais que a vontade.
E se essa viagem tinha propósito, começar por Ouro Preto era quase simbólico. Uma cidade que pede presença, exige pausa e convida a olhar para dentro, mesmo enquanto a gente caminha por fora.
Ouro Preto: dois dias entre pedra, fé e memória viva
Tem cidade que a gente não consegue contar em linha reta — e Ouro Preto é uma delas. Não foi uma sequência de lugares visitados, foi uma coleção de experiências que se conectaram no olhar, no corpo, na escuta. E mesmo sendo um destino bastante conhecido, cada visita me entregou alguma coisa nova. Às vezes foi um dado histórico que eu nunca tinha ouvido. Às vezes, só o jeito como a luz batia numa escultura antiga.
Uma manhã sobre rodas e memórias
Escolhi começar a visita por Ouro Preto com o passeio de jardineira — aquele veículo retrô, aberto nas laterais, que já chama atenção só de ver passando pelas ladeiras. A saída foi pela manhã, com céu limpo e ar fresco, o que ajudou ainda mais a aproveitar cada curva da cidade. A jardineira, além de charmosa, é prática: passa por pontos históricos essenciais e oferece explicações guiadas que ajudam a colocar cada pedaço da cidade dentro de um contexto real.
Andar de jardineira em Ouro Preto tem um gosto especial. Não só pela nostalgia do próprio veículo — que remete aos transportes coletivos do início do século XX — mas também pela experiência de cruzar ruas estreitas com vista livre, sentindo o som dos sinos, o cheiro da pedra molhada e o barulho do cascalho sob os pneus.
O tour dura entre 3 a 4horas, com paradas em igrejas, museus e mirantes. É o tipo de passeio que conecta o turista à cidade com ritmo e profundidade — sem correria, mas também sem dispersão.
Igrejas: onde a fé esculpe a história e guarda segredos
Nossa Senhora do Pilar: o peso dourado da devoção
Comecei pela basílica mais famosa: a Igreja de Nossa Senhora do Pilar, considerada a segunda mais rica do Brasil em quantidade de ouro. É chocante entrar ali — o ouro cobre tudo, e brilha de um jeito quase incômodo. O tipo de beleza que impressiona mas também nos faz pensar. No subsolo, o Museu de Arte Sacra guarda relíquias litúrgicas dos séculos XVII a XIX. Não é só bonito — é denso. E necessário.
Santa Efigênia: construída com fé e resistência
Subindo até a Igreja de Santa Efigênia, o corpo sente. A ladeira exige, mas o que está lá em cima recompensa: uma igreja construída por mãos negras, sob a liderança de Chico Rei, ex-escravizado que virou símbolo de liberdade. O altar é simples, mas cada canto fala de dignidade. É história viva com vista pra cidade inteira.
São Francisco de Assis: barroco que respira
Na São Francisco, tudo respira arte. Aleijadinho na fachada. Mestre Ataíde no teto. Os detalhes das colunas, as curvas do entalhe, a perspectiva do forro… é um lugar que te obriga a parar e olhar devagar. Estava incluída no passeio de jardineira, mas merecia horas a mais.
Nossa Senhora da Conceição: onde a memória descansa
Essa igreja eu visitei com calma, com guia exclusivo, porque sabia que ali precisava de silêncio. A Matriz de Nossa Senhora da Conceição, além de belíssima, guarda os restos mortais de Aleijadinho. O acervo do Museu Aleijadinho, que fica ali dentro, é discreto e impactante: ferramentas de trabalho, esculturas originais e documentos que revelam o artista para além do mito. Aqui, a arte e o fim da vida se encontram no mesmo altar.
Nossa Senhora do Rosário dos Pretos: fé em arquitetura circular
Talvez a mais simbólica. A Igreja do Rosário foi construída por e para pessoas negras, num tempo em que não se podia entrar nas igrejas dos brancos. Sua planta é oval, com fachada singela, mas ali pulsa uma força ancestral. O barroco aqui é diferente — mais contido, mais íntimo, mas não menos expressivo. Visitar esse lugar é um lembrete do quanto a fé popular construiu parte da alma de Ouro Preto.
Nossa Senhora do Carmo: elegância contida e arte caseira
Perto da praça, a Igreja do Carmo é quase um refúgio. Com fachada rococó assinada pelo pai de Aleijadinho, ela impressiona pela leveza. Ao lado, o Museu do Oratório guarda mais de 160 oratórios e 300 imagens sacras — acervo reunido pela colecionadora Angela Gutierrez. É uma exposição sobre o cotidiano da fé doméstica brasileira, montada com um olhar afetuoso e curador.
Das ruas à pedra-sabão: o que vive entre os pontos turísticos
O que conecta essas igrejas não são só as ladeiras: são as ruas, com nome, cor e alma própria. A Rua São José tem aquele vai-e-vem eterno de gente, vitrines de artesanato, janelas coloniais que parecem sorrir. Foi ali que encontrei a Casa dos Contos — casarão que já foi repartição de impostos e prisão. O acervo conta a história do ouro com mapas, moedas e registros fiscais. Mas o que ficou em mim foi o porão-senzala, úmido, escuro, com marcas reais nas paredes. A história ali não é encenada. É nua.
No Largo do Coimbra, em frente à Igreja de São Francisco, está uma das paradas mais simbólicas: a feira de pedra-sabão. Peças talhadas por artesãos locais, muitos deles herdeiros de um saber que vem de gerações. Comprei uma colher pequena — dessas que ninguém valoriza tanto — só porque vi como o escultor olhava pra pedra antes de tocar nela. Às vezes, é o jeito de fazer que vende a peça, mais do que a peça em si.
Museus que expandem a narrativa e descentralizam a história
Museu da Inconfidência: onde o silêncio pesa
Localizado na antiga Casa de Câmara e Cadeia, bem no coração da Praça Tiradentes, o Museu da Inconfidência guarda não só objetos e documentos do movimento libertário mineiro, mas também o Panteão dos Inconfidentes, com túmulos simbólicos de figuras como Tomás Antônio Gonzaga. A estátua de Tiradentes, no centro da praça, marca o local onde sua cabeça foi exposta após a execução. O entorno completa o cenário: do outro lado, o antigo Palácio dos Governadores, hoje sede da Escola de Minas e do Museu de Ciência e Técnica, com acervo riquíssimo sobre geologia, astronomia e mineração.
Museu Boulieu: o barroco como linguagem global
Menos conhecido e fora do circuito padrão, o Museu Boulieu é um presente pra quem gosta de história da arte. Instalado no antigo hospital, seu acervo é pessoal — reunido pelo casal Maria Helena e Jacques Boulieu — e contém peças de arte sacra barroca vindas do Brasil, América Latina, África e Europa. Esculturas, pratarias, pinturas. A visita é calma, quase meditativa. E a curadoria é sensível: mostra que o barroco não é só um estilo, é uma forma de contar a fé em diferentes lugares do mundo.
Mina de ouro: o silêncio que explica o brilho
Entre uma igreja e outra, desci até uma das minas de ouro da cidade. Fui com a jardineira, mas poderia ter ido sozinha — o impacto seria o mesmo. A entrada é estreita, o chão é frio, e tudo ali parece pesado. O guia falou sobre as condições de trabalho, sobre o corpo dos escravizados curvado dia após dia, sobre o valor de cada grama de ouro extraído. Quando a gente sai e volta a pisar na rua, olha diferente pra cada altar dourado depois disso.
Ouro Preto não entrega respostas prontas. Entrega perguntas, camadas, pausas. Caminhar ali é exercitar o olhar, escutar com mais atenção e entender que a história do Brasil não está só nos livros — ela respira entre pedras, ladeiras e imagens sacras. E às vezes, no meio da pressa de ver tudo, o melhor que a gente pode fazer é parar. E ouvir.
Lavras Novas: um silêncio que abraça, um jantar que aquece, e um dia que virou pausa
Depois de dois dias intensos em Ouro Preto, carregando história nos pés e arte nos olhos, senti que era hora de respirar diferente. Não era sobre parar, era sobre pausar com sentido. Por isso, escolhi passar um dia em Lavras Novas — um vilarejo pequeno em tamanho, mas enorme naquilo que entrega: ar, tempo e presença.
Do barroco à brisa: a travessia que acalma
A estrada entre Ouro Preto e Lavras Novas é curta — menos de 20 km — mas o contraste é imediato.
As ladeiras de pedra dão lugar às curvas abertas, à vegetação do cerrado, ao horizonte que se estica. O carro sobe devagar, e junto com ele, a sensação de que alguma coisa vai ficando pra trás. Não como quem foge, mas como quem respira melhor. Lavras Novas já começa a curar antes mesmo da chegada.
Trilha, mirante e cachoeira com vento no rosto e barro na alma
Logo cedo, fui conhecer a região de um jeito que nunca tinha tentado: um passeio de quadriciclo guiado, com duração de cerca de duas horas.
Depois de um treinamento rápido, seguimos por trilhas de terra com vista pra montanhas, cheiro de mato e sol filtrado entre as árvores.
A primeira parada foi no Mirante da Estrada Real, de onde se vê o mar de Minas como ele é: montanha sobre montanha, céu que parece mais perto, ar que pesa menos. Um silêncio quase alto.
Depois, fomos até a Cachoeira dos Namorados, com uma queda pequena, mas perfeita. Entrei na água. Gelada, limpa, honesta. Fiquei ali um tempo deitada na pedra, escutando o barulho do mundo que não exigia nada.
O passeio terminou na Represa do Custódio, tranquila e espelhada. Nem mergulhei — só sentei à beira e deixei que a paisagem me atravessasse. Era como se tudo estivesse exatamente onde precisava estar.
Almoço sem pressa, comida com alma
Voltei pra pousada com fome de comida simples e bem feita — e encontrei.
O restaurante da hospedagem servia pratos com aquele equilíbrio mineiro: generosos, mas com cuidado. Pedi truta com legumes e um vinho branco leve. Terminei com doce de leite caseiro. E fiquei ali sentada, só existindo.
A luz entrava pelas janelas grandes. O som era de talher e vento. Nem playlist precisava.
O vilarejo que não te impressiona — só te recebe
No meio da tarde, fui caminhar. Lavras Novas tem ruas de pedra que rangem sob os pés, casas coloridas com flores nas janelas, e uma gente que olha no olho.
Passei pela Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, construída no século XVIII, simples e serena no fim da rua principal. Entrei, sentei, fiquei. É o tipo de igreja que não quer mostrar grandeza — só guardar silêncio.
Ao redor da praça, encontrei lojinhas de artesanato com peças em cerâmica, crochê, madeira. Entrei em uma, conversei com a moça, comprei uma peça pequena. Não pelo objeto — pela troca. Saí com um pedaço de Lavras Novas na mochila.
Piscina aquecida, sauna, lareira — e a noite que virou lembrança
Voltei pra pousada no fim da tarde e deixei o corpo descansar como ele queria. Fiquei um tempo na piscina aquecida e coberta, com vista parcial das montanhas e uma luz dourada entrando. Depois fui pra sauna, fechei os olhos, senti o calor soltar o que ainda precisava sair.
Mais tarde, me sentei no lounge com lareira, chá na mão, livro no colo, e fiquei olhando o fogo estalar. Sem ler, sem pensar. Só ali.
Uma noite de fondue, música e presença
O jantar me surpreendeu. A pousada tem uma taberna à luz de velas, onde tocam música ao vivo — voz e violão, MPB e clássicos mineiros.
Sentei sozinha, mas não me senti só.
Comecei com um fondue de queijo, servido com pães artesanais e batatinhas douradas. Depois veio o fondue de chocolate com frutas frescas — morango, uva, banana, e uma paz que parecia acompanhar cada garfada.
O vinho era suave. A música era certa. O momento era inteiro.
A despedida suave de quem sabe que viveu bem
Dormi com a janela aberta, escutando o som que só interior conhece. E pela manhã, o café mineiro me esperava com pão de queijo, bolo de fubá, café forte e céu azul.
De lá, segui direto pra Belo Horizonte — mas sem pressa, sem correria. Porque depois de Lavras Novas, até o ir embora parece parte da experiência.
E foi assim que me preparei pra viver BH de um jeito diferente: mais atenta, mais inteira, mais eu.
Belo Horizonte com outro olhar: presença nos detalhes e afeto no roteiro
Belo Horizonte não era novidade pra mim. Já tinha passado por aqui algumas vezes, em outros contextos, outros ritmos. Mas nessa viagem, eu quis terminar diferente: visitar os lugares com mais calma, olhar de novo pro que já conhecia, e explorar o que sempre ficou pra depois.
Feira Hippie: cores, texturas e boas surpresas em cada passo
Comecei o dia na Feira Hippie da Afonso Pena, que acontece aos domingos, no coração de BH. É aquele tipo de lugar que você ouve falar a vida inteira, mas só entende o encanto quando está ali, andando devagar, entre as barracas.
A feira é enorme — são centenas de expositores que vendem de tudo: roupas, bijuterias, sapatos, bolsas, acessórios, quadros, móveis pequenos, itens de decoração, brinquedos, cerâmicas. A variedade impressiona. E o mais legal: tudo feito por artistas e artesãos locais, com qualidade real e muito bom gosto.
Me surpreendi com os preços — acessíveis mesmo — e com o capricho. Sabe aquela sensação de “como eu nunca vim antes?” Pois é. Saí com sacolas nas mãos e um sorriso no rosto.
Caminhada entre o Parque Municipal e o Palácio das Artes
Como a feira acontece ao longo da Avenida Afonso Pena, é impossível não cruzar com dois marcos belíssimos da cidade: o Parque Municipal Américo Renné Giannetti e o Palácio das Artes.
Entrei no parque com calma, só pra caminhar, olhar, respirar. É um dos mais antigos da cidade — com cara de jardim europeu, cheio de árvores grandes, bancos antigos, pedalinho no lago, crianças correndo e artistas de rua tocando violão embaixo das sombras. Um pedacinho verde no meio da cidade.
Do outro lado, o Palácio das Artes — que infelizmente estava fechado no dia — mas que já impressiona só pela arquitetura. Saber que ali dentro funcionam teatros, galeria de arte, sala de música e formação artística me fez prometer que da próxima vez, eu volto com tempo pra entrar. É um lugar que pulsa cultura.
Almoço mineiro com vista e arte na Pampulha
De lá, fui pra região da Pampulha pra almoçar com calma. Escolhi um restaurante bem tradicional de comida mineira, com mesas de madeira, cheiro de fogão à lenha e pratos generosos. Pedi arroz, feijão tropeiro, carne de panela desfiada e farofa. E comi feliz.
Depois do almoço, caminhei um pouco pela orla da Lagoa da Pampulha — aquele espelho d’água que parece respirar junto com a cidade. Fiz uma parada mais longa na Igreja São Francisco de Assis, a famosa Igrejinha da Pampulha, projetada por Niemeyer e decorada com painéis lindíssimos de Portinari. Não importa quantas vezes eu veja fotos, ver de perto é outra coisa. As curvas, os azulejos, o desenho do céu em volta… é arte em forma de fé.
Mercado Central: o fim perfeito com sabor de casa
Terminei o dia onde todo mundo deveria terminar uma viagem por BH: no Mercado Central. Ali é tudo junto: barulho, cheiro, afeto e comida boa.
Mesmo já tendo comido muito, não resisti. Não comi o clássico fígado com jiló (prometo pra próxima), mas comi um pão de queijo recheado, daqueles com casquinha firme e recheio derretido por dentro. Tomei uma limonada gelada na banquinha tradicional, provei um bolo de fubá com café coado na hora e me joguei nos doces: goiabada cascão, doce de leite, cocada cremosa. Me esbaldei — com orgulho e sem culpa.
O Mercado é uma experiência em si. Dá pra comprar queijos, cachaças, temperos, louças… mas o melhor é o clima: aquela mistura de feira com abraço. Todo mundo fala alto, mas todo mundo te olha no olho.
Inhotim: arte, jardim e o silêncio que transforma
Depois de dias intensos em Minas, entre igrejas, mercados, caminhadas e sabores, senti que ainda faltava um respiro. Algo que fechasse essa jornada com mais espaço, mais ar, mais tempo de dentro. Foi aí que tomei a decisão de alongar a viagem por mais um dia e ir até Inhotim, em Brumadinho.
Era um lugar que eu sempre quis conhecer. E mesmo já tendo ouvido muito sobre ele, nada — absolutamente nada — me preparou pra o que encontrei ali.
Chegada em Brumadinho e a primeira impressão
Saí de Belo Horizonte bem cedo e cheguei em Inhotim ainda pela manhã. A estrada é tranquila, e o trajeto todo leva cerca de uma hora e meia. Chegar cedo fez diferença: me deu tempo de andar com calma, entrar nos espaços sem pressa e deixar que o lugar me atravessasse.
Logo na entrada, peguei o mapa, e mesmo com ele em mãos, já entendi que era impossível ver tudo num único dia. Escolhi alguns pavilhões e obras que queria muito ver, e decidi ir me permitindo também ser levada pelo acaso.
Entre pavilhões e experiências imersivas
Adriana Varejão: cerâmica, corpo e história
Minha primeira parada foi a galeria da Adriana Varejão, uma das que mais me impactou. As salas brancas contrastavam com as obras fortes: cerâmicas quebradas que pareciam feridas abertas, cores intensas, azulejos que contavam histórias não ditas. A obra parecia falar de dor e beleza ao mesmo tempo, e fiquei ali um bom tempo só olhando.
Cildo Meireles: o vermelho que engole o olhar
Depois fui à galeria do Cildo Meireles, com a instalação “Desvio para o Vermelho”. Entrei num espaço inteiramente vermelho — objetos, móveis, luz, chão, tudo. Era como estar dentro de uma ideia. Um lugar onde o vermelho não era só cor, mas estado de espírito. Me senti levemente inquieta, curiosa, atenta. Saí de lá com os olhos quentes e a mente mexida.
Yayoi Kusama: luz, repetição e presença
A galeria da Yayoi Kusama foi uma experiência que mexeu comigo de outro jeito. A obra “Aftermath of Obliteration of Eternity” me colocou dentro de uma sala escura, espelhada, onde pontos de luz se acendiam e apagavam em ciclos. Era como estar suspensa num tempo sem forma. Já “I’m Here, But Nothing” trouxe o contrário: uma sala comum, cheia de pontos coloridos que pareciam multiplicar o olhar.
As duas obras conversavam com memórias que nem sei se eram minhas. E isso, ali, pareceu certo.
Doug Aitken: ouvir a terra respirar
No alto de uma trilha leve, encontrei o Sonic Pavilion, de Doug Aitken. Uma estrutura circular, aberta, onde a única coisa a fazer é sentar e ouvir. Sons gravados no fundo da terra, a mais de 200 metros de profundidade. Um ruído constante, grave, que parecia vir de dentro de mim. Fiquei ali mais tempo do que imaginei. Era hipnótico.
Tunga: o encantamento do estranho, o mistério do belo
Na galeria do Tunga foi como entrar num mundo à parte. O espaço em si já impressiona pela arquitetura — alto, amplo, com luzes e sombras que parecem coreografadas. As obras são densas, quase ritualísticas. Correntes, cabelos trançados, objetos suspensos. Tudo carrega um mistério que não se decifra de primeira — e talvez nem precise.
As instalações de Tunga não são feitas pra explicar. São feitas pra sentir. E foi o que eu fiz: andei devagar, sentei num canto, fiquei em silêncio. Era o tipo de arte que não grita, mas atravessa.
Terminar ali foi como encerrar um capítulo dentro do livro certo.
O jardim que respira junto com a arte
Entre um pavilhão e outro, o que conecta tudo é o jardim botânico. Mais de quatro mil espécies, muitas que eu nunca tinha visto. Palmeiras altíssimas, plantas rasteiras com folhas cor de vinho, flores com nomes que eu não consegui decorar.
O paisagismo não é só bonito — é pensado como parte da experiência. As obras estão entre as árvores, às vezes escondidas, às vezes em destaque. É preciso andar, procurar, tropeçar em beleza.
Os lagos artificiais também fazem parte da paisagem — alguns espelham o céu, outros abrigam esculturas, todos acalmam. Em alguns momentos, parei só pra olhar. Só pra respirar.
A despedida de um lugar que não se encerra em si
Saí de Inhotim já no fim do dia, com o corpo cansado e a mente cheia. E a certeza de que não vi tudo — e nem precisava. Porque o que vivi ali ficou. E porque sei que um dia eu volto.
Inhotim não é um lugar de checklist. É um espaço de encontro com o que a gente não sabia que precisava ver.
Terminar a viagem ali foi como colocar um ponto final suave, desses que deixam espaço pro que ainda pode vir. Porque não é sobre encerrar. É sobre respirar mais fundo antes de continuar.
Se você também quiser ir por esse caminho
Invista em conforto, faz diferença –Contratar transfer foi essencial pra manter a viagem leve. Me senti segura, não perdi tempo com logística e pude descansar entre os destinos. Se estiver sozinha, vale ainda mais.
Use guia local quando quiser profundidade – Em Ouro Preto, contratei um guia para alguns trechos (especialmente os que estavam fora do passeio da jardineira). Isso fez toda a diferença pra entender melhor o contexto das igrejas, das obras, das ruas. É um investimento que aprofunda a experiência.
Fique atenta aos horários e formas de pagamento –Muitas igrejas e museus têm horários limitados e cobram entrada. Leve dinheiro em espécie e, se puder, se informe antes sobre os dias de funcionamento. Assim, você não perde tempo (nem visita).
Mesmo no calor, leve um casaco –Durante o dia faz calor — especialmente em BH e Inhotim. Mas à noite, tanto em Ouro Preto quanto em Lavras Novas, o friozinho chega. Um casaco leve salva.
Vá aberta ao improviso , ele entrega mais do que o plano –Os momentos mais especiais da viagem não estavam no roteiro. Estavam no café descoberto por acaso, na conversa com um guia, na sombra de uma praça. Planeje o necessário, mas deixe espaço pro que a viagem quiser te mostrar.
Quando o roteiro vira memória — e o corpo entende que viajou
Voltar dessa viagem não foi sobre retornar ao ponto de partida. Foi sobre trazer um pouco de cada lugar comigo: o cheiro de café forte nas manhãs frias, o silêncio das igrejas que ecoa até depois da visita, a poeira boa da estrada de Lavras Novas, o som grave da terra em Inhotim.
Em seis dias, cruzei caminhos cheios de história, arte e beleza cotidiana. Mas o que mais ficou não foram as atrações. Foi o ritmo. O jeito de olhar com mais tempo. O prazer de sentar num banco e não fazer nada com propósito. A vontade de viver cada destino não como um checklist, mas como um capítulo que eu mesma escrevia, enquanto caminhava.
Minas tem esse poder: de fazer a gente voltar pra dentro enquanto anda pra fora.
E essa viagem foi isso. Uma pausa em movimento. Um roteiro que não termina quando a gente volta. Porque algumas viagens continuam dentro da gente, mesmo depois da mala desfeita.
Se você chegar até aqui, espero que leve também a vontade de ir com calma, de fazer escolhas conscientes, de planejar menos e sentir mais.
E que, de algum modo, esse texto te acompanhe no próximo embarque — seja ele pra onde for.
Com afeto e presença, nos encontramos no caminho. 💛