Quando uma viagem é mais do que um destino
Uma viagem para Indonésia entre amigas pode começar sem grandes planos — só com a vontade de respirar diferente. Às vezes, a vontade de viajar não vem de um lugar óbvio. Não é sobre “ver tudo”, nem sobre “marcar presença”. É só uma vontade de respirar diferente. De estar entre amigas sem tanto ruído — nem fora, nem dentro.
Foi assim que essa viagem nasceu: de conversas soltas entre quatro mulheres que já tinham vivido juntas outros caminhos. Sabíamos o valor de dividir um quarto, uma trilha, um silêncio depois de um dia longo. E, mais do que um novo país, buscávamos um tempo diferente. Mais inteiro.
A Indonésia apareceu na conversa como esse território possível: natureza crua, espiritualidade viva, cultura forte. Mas não queríamos repetir fórmulas. Bali era uma certeza, mas não um ponto de partida.
Foi aí que desenhamos um caminho que começava mais bruto — em Flores, com suas vilas e ilhas quase escondidas — e terminava com a suavidade dos rituais em Bali. Um roteiro com intenção, não pressa.
Antes de partir: o que organizamos e que fez a diferença
Mesmo com a intimidade de quem já viajou junto antes, sabíamos que essa viagem para a Indonésia entre amigas pedia outro tipo de preparo. Mais do que um roteiro, o país exige tempo, atenção e algum planejamento técnico — o suficiente pra garantir leveza depois.
Quando ir: o clima define mais do que parece
A Indonésia tem duas estações bem marcadas: seca (de abril a outubro) e chuvosa (de novembro a março). Escolhemos viajar em setembro, no fim da estação seca, com céu claro, calor intenso e poucos imprevistos climáticos. Esse período foi essencial pra aproveitar melhor os deslocamentos, os passeios de barco e as trilhas sem lidar com cancelamentos ou chuvas tropicais.
Passaporte, visto e burocracias que não travam
Brasileiras não precisam de visto prévio. Na chegada, é possível emitir o Visa on Arrival, que custa cerca de 35 dólares e dá direito a 30 dias no país. É rápido, mas exige atenção: o pagamento deve ser feito em dinheiro e o passaporte precisa ter, no mínimo, seis meses de validade a partir da data da entrada.
Não foi exigido nenhum certificado de vacina específico. Mesmo assim, levamos o Certificado Internacional da Febre Amarela por precaução, caso fosse solicitado em alguma conexão — uma daquelas garantias que a gente prefere ter.
Conexão, câmbio e segurança: o que funcionou na prática
No aeroporto de Bali compramos o chip local da Telkomsel, que teve bom desempenho na maioria dos lugares. Em Bali, a conexão foi estável; em Flores, caiu em áreas mais remotas — o que também nos ajudou a desconectar com mais presença.
A moeda local é a rupia indonésia, e os valores altos nas notas podem confundir nos primeiros dias. Um café por “50 mil” assusta até você perceber que são só uns 15 reais. Trocamos uma quantia inicial ainda no aeroporto e usamos um aplicativo de transferência internacional que permitia converter reais para rupias com boas taxas e agilidade — ótimo pra pagamentos maiores como hospedagens ou passeios.
Nas ilhas menores e mercados locais, o dinheiro em espécie foi indispensável. Muitos estabelecimentos não aceitam cartão, e os caixas eletrônicos nem sempre funcionam com cartões internacionais. Ter valores trocados à mão garantiu fluidez no dia a dia — especialmente em Flores.
Também optamos por contratar um seguro viagem com cobertura internacional. Mesmo sem exigência formal, sabíamos que algumas regiões têm acesso limitado a atendimento médico. Foi um cuidado que trouxe tranquilidade e liberdade pra explorar com mais leveza — e menos preocupação.
Como montamos o roteiro: escolhas conscientes
Por que não começamos por Bali
Bali é linda, mas já vinha muito carregada de expectativa. A gente queria espaço pra respirar antes de chegar lá. Algo menos traduzido. Menos formatado.
Flores apareceu como esse lugar mais bruto. Depois vieram Komodo, Padar, Kalong — nomes que ainda escapam das rotas prontas. E ali a gente viu a chance de começar por outro tipo de beleza.
Bali ficou como o encerramento: com rituais, cuidado e um conforto que só faz sentido depois do caminho percorrido.
A ordem do roteiro e a lógica do corpo
Nosso ponto de entrada foi Jacarta, onde chegamos do Brasil antes de seguir viagem. De lá, embarcamos em um voo direto para Flores, onde montamos base em Labuan Bajo. Foi ali que começamos a explorar o Parque Nacional de Komodo, as ilhas ao redor e uma vila montanhosa isolada que parecia existir fora do tempo.
Depois dessa etapa mais intensa — com trilhas, travessias de barco e deslocamentos mais longos — voamos para Bali. Primeiro, nos instalamos em Ubud, no coração da ilha, onde o ritmo desacelera naturalmente entre templos, arrozais e rituais de cuidado. Por fim, encerramos a viagem no sul de Bali, em Uluwatu, com o mar à frente e o pôr do sol como despedida.
A ordem desse roteiro não foi pensada apenas pela geografia — mas pelo corpo. Começamos por onde exigia mais energia e deixamos o descanso para o fim, como quem entende que o encerramento também precisa de tempo, leveza e espaço.
As hospedagens fizeram parte do planejamento
Não queríamos carregar toda a logística. Mas também não queríamos pacote engessado. Então escolhemos hospedagens que ofereciam suporte real: passeios, guias locais, transporte organizado — sem tirar nossa autonomia.
Foi o equilíbrio que funcionou pra gente.
O que vivi em cada ilha: entre o que se espera e o que realmente acontece
Quando a gente pensa em Indonésia, quase sempre pensa em Bali. É o nome mais conhecido, o mais falado, o mais compartilhado. Mas a verdade é que o país é um arquipélago com mais de 17 mil ilhas — e cada uma delas guarda um ritmo, uma cultura, uma geografia e até um tempo diferentes.
Foi isso que descobrimos ao montar esse roteiro. Que sair de Bali não é fugir do óbvio, é simplesmente explorar o que pouca gente mostra. Que as distâncias são reais, que os deslocamentos exigem fôlego e que a recompensa está mais no processo do que nos marcos turísticos.
Esse bloco reúne o que vivemos, com presença e critério, nas três principais paradas da viagem: Flores, Komodo e ilhas vizinhas e, por fim, Bali.
Aqui não tem passo a passo, nem ranking. Tem o que vimos de verdade. O que funcionou, o que surpreendeu e o que vale repetir.
Se você está montando um roteiro pela Indonésia e quer algo além dos stories e das promessas de “vida transformada”, pode ser que aqui você encontre um começo mais possível.
Flores: onde tudo começou a desacelerar
Primeiros dias em Labuan Bajo
A chegada em Labuan Bajo deu o tom de como seriam os próximos dias. A cidade é pequena, mas está crescendo rápido. Ela fica no extremo oeste da ilha de Flores, no arquipélago das Pequenas Ilhas da Sonda. Por muito tempo, foi apenas uma vila pesqueira — hoje, é a principal porta de entrada para quem visita o Parque Nacional de Komodo.
A cidade tem uma estrutura básica, mas funcional: cafés, mercados, pequenas agências, restaurantes voltados para o mar. O pôr do sol visto do píer principal já virou quase um ritual diário — com barcos ancorados, crianças mergulhando e turistas misturados com locais.
A hospedagem escolhida ficava no alto de uma encosta, com vista para o mar e estrutura própria para organização de passeios. Foi um bom ponto de apoio: silencioso, bem cuidado e com uma equipe que falava inglês com facilidade.
A experiência em Wae Rebo
A ida até Wae Rebo exigiu mais do corpo — e mais do planejamento. A vila é isolada, encravada nas montanhas de Manggarai Regency, e o acesso não acontece num dia só. Por isso, essa parte da viagem merece ser planejada com espaço e calma.
A jornada começa em Labuan Bajo, de onde se parte de carro rumo à aldeia de Denge, o ponto final onde veículos chegam. Esse trajeto leva em média 4 a 5 horas, por uma estrada mista — em alguns trechos asfaltada, em outros de terra, com buracos e curvas fechadas. A paisagem vai mudando: o mar vai ficando pra trás e as montanhas começam a tomar conta da janela.
De Denge até Wae Rebo, só a pé. A trilha leva de 2 a 3 horas, em subida contínua, e exige um esforço físico leve a moderado. A caminhada é bem marcada, passa por floresta tropical densa e tem alguns pontos de parada com bancos de madeira onde dá pra descansar. A sensação é de atravessar camadas de tempo até alcançar o alto da montanha.
Ao todo, a viagem dura entre 6 e 8 horas, fora as pausas. Por isso, a melhor forma de viver essa experiência é reservando dois dias: um pra chegar, dormir na vila e aproveitar o momento com presença; e outro pra voltar, com calma.
Chegar em Wae Rebo é como alcançar uma clareira escondida. A vila é formada por casas tradicionais circulares, chamadas Mbaru Niang, e está a mais de 1.100 metros de altitude. A neblina frequente nas montanhas deixa tudo com uma atmosfera úmida e silenciosa.
A arquitetura da vila é tombada como patrimônio e segue tradições que são mantidas há séculos. Cada casa abriga várias famílias, e há uma casa separada destinada a receber visitantes. Ela funciona como um grande alojamento coletivo, onde se dorme em esteiras finas sobre o chão de madeira polido. O banho é frio. A eletricidade, intermitente. E a alimentação é simples: arroz, vegetais locais, banana cozida, peixe seco ou ovo, chá quente servido com folhas da região.
A noite na vila
Ao chegar, as visitantes passam por um ritual breve de boas-vindas, conduzido por um dos anciãos da comunidade. É uma cerimônia simbólica, feita dentro de uma das casas, com palavras ditas em voz baixa e uma reverência clara ao sagrado daquele lugar. O gesto é menos turístico e mais respeitoso — como quem pede licença antes de entrar num território que funciona por outras regras.
A noite é escura, fria e profundamente silenciosa. As casas são iluminadas por lamparinas. Depois do jantar coletivo, há um momento natural de pausa: algumas crianças brincam do lado de fora, mulheres cuidam do fogo e, às vezes, um dos homens toca um instrumento tradicional feito de bambu.
O grupo com quem viajamos ficou em silêncio espontaneamente. Não era um silêncio místico — era só um ajuste ao ambiente. Dormir ali, no alto das montanhas, ouvindo apenas o vento, foi um tipo de descanso diferente. Menos sobre conforto, mais sobre entrega.
Pela manhã, o café é servido cedo: arroz ou banana cozida, chá forte e tempo livre pra observar a vila acordando. Antes da descida, é possível caminhar um pouco ao redor, conversar com as mulheres que tecem tecidos típicos ou simplesmente sentar na varanda de uma das casas e olhar a névoa se dissipando aos poucos.
Rangko Cave: a piscina escondida na pedra
Rangko Cave é um lugar pouco divulgado e, por isso mesmo, ainda preserva a sensação de descoberta. Fica a cerca de 45 minutos de Labuan Bajo, combinando transporte por terra e barco pequeno.
A caverna é formada por rochas calcárias e abriga uma piscina natural de água salgada. A combinação da luz entrando pela abertura no teto com a cor da água cria um visual difícil de descrever — uma mistura de azul glacial com verde mineral. A água é morna, densa, e o silêncio ali dentro é absoluto.
Não há estrutura de apoio. É preciso levar lanche, toalha, sapatos que possam molhar. E sair antes do pôr do sol, já que a volta depende do barco e da luz natural.
Curiosidade vivida: A travessia até a caverna foi feita em um pequeno barco de madeira, pilotado por um pescador local que falava apenas bahasa indonesia. A comunicação foi na base de sorrisos e mímicas, e funcionou. No meio do trajeto, ele apontou pra água e disse algo que depois entendemos: ali, costumam aparecer golfinhos. Não vimos nenhum naquele dia, mas só saber disso já deixou tudo mais atento.
As cachoeiras entre os cânions
A trilha até Cunca Wulang foi um contraste natural com o mar e a caverna. Localizada a cerca de 30 km de Labuan Bajo, a área é formada por um cânion de rochas vulcânicas que esculpem um desfiladeiro profundo com quedas d’água e poços para banho.
O nome vem do dialeto local: cunca significa “cachoeira” e wulang, “floresta”. A trilha passa por plantações, pequenos vilarejos e florestas tropicais com cheiro de terra molhada. Ao final, a recompensa: água fria, limpa, cercada por paredões que abafam o som. O local é considerado seguro para banho, mas exige atenção com as pedras escorregadias.
Vivência extra: Durante o trajeto, uma senhora local parou o grupo oferecendo uma fruta chamada salak — com casca áspera e gosto entre maçã e limão. Ela insistiu pra que experimentássemos ali mesmo, com a mão suja de trilha e tudo. Foi um gesto pequeno, mas ficou.
Para comer: sabores simples, intensos e locais
Flores não é um destino gastronômico no sentido tradicional. Mas quem se dispõe a experimentar a comida local vai encontrar sabores diretos e bem executados.
O prato mais comum é o ikan bakar — peixe grelhado na brasa, geralmente servido com arroz e sambal (molho apimentado feito com tomate e pimenta). Os ingredientes são frescos e quase sempre comprados no mercado pela manhã.
Em alguns cafés e warungs mais simples, é comum encontrar banana frita como entrada, sopa de legumes com gengibre, ou arroz com folhas cozidas de mandioca.
O café é forte, sem coador — o pó vai direto pra xícara, como no estilo turco. Servido com açúcar mascavo e, às vezes, leite condensado.
Komodo e ilhas vizinhas: um mar que não é só bonito — é vasto
Navegar por Komodo é mudar de ritmo
Komodo é um nome que quase todo mundo já ouviu — por causa dos dragões. Mas viver esse lugar é muito mais do que ver um réptil de perto. Foi nas ilhas do Parque Nacional de Komodo que a gente sentiu o mar tomar outra forma. Ele deixava de ser paisagem e virava caminho. Era a água que ligava tudo: trilha, mergulho, silêncio, susto e deslumbre.
A base continua sendo Labuan Bajo. De lá saem os barcos que navegam entre as dezenas de ilhas que compõem o parque — um arquipélago que é Patrimônio Natural da Humanidade pela UNESCO e uma das áreas marinhas mais ricas do planeta.
Escolher como fazer esses passeios exige atenção. Existem roteiros com barcos grandes, lotados, e outros menores, com grupos reduzidos e mais respeito ao tempo do trajeto. A gente optou pelo segundo tipo: um barco simples, mas confortável, com pernoite a bordo e equipe local. Foi o que fez tudo funcionar com calma.
O primeiro impacto: acordar cercada por ilhas
O barco partiu de manhã cedo, mas foi só no dia seguinte que a gente entendeu o que era estar no meio do arquipélago. Acordar ali, com o sol começando a pintar o céu e dezenas de ilhas silenciosas à volta, foi um tipo de impacto que não precisava de legenda.
Tomar café no convés — arroz, frutas, chá — com o mar imóvel ao redor, foi um dos momentos mais simples e bonitos da viagem. E foi com esse clima que começamos a explorar as paradas principais.
Padar Island: a trilha que vale cada passo
A primeira grande parada foi em Padar Island, uma das ilhas mais famosas da região. O motivo: o visual do topo.
A trilha é relativamente curta — cerca de 30 minutos — mas é íngreme e quente. São degraus de pedra que vão ficando mais abertos conforme a subida avança. É importante levar água, chapéu e ir com calma.
Lá de cima, a vista se abre em três baías distintas, cada uma com uma praia de cor diferente: uma clara, uma escura e uma quase rosa. O mar desenha curvas perfeitas entre os morros secos da ilha, e tudo parece ao mesmo tempo selvagem e milimetricamente organizado.
Dica prática: ir cedo, antes das 8h, faz toda a diferença. O sol ainda está mais baixo, a trilha está vazia, e a luz deixa tudo mais suave. No alto, venta bastante — ótimo pra refrescar e péssimo pra chapéus soltos.
Pink Beach: não é só sobre cor
A Pink Beach realmente tem tons rosados — especialmente quando o sol bate direto. A coloração vem da mistura de areia branca com fragmentos de corais vermelhos que, ao se quebrarem, tingem o chão.
Mas o que mais chamou atenção não foi a praia em si, e sim o mar. Ali foi um dos melhores pontos de snorkel da viagem. Água clara, cardumes vibrantes, corais vivos e uma sensação de estar flutuando dentro de um jardim submerso.
Nadamos ali por mais de uma hora. A corrente era leve, o movimento era livre, e ninguém tinha pressa de sair.
Curiosidade: o nome da praia, “Pantai Merah” em bahasa indonesia, é conhecido localmente, mas não está sinalizado. Tudo ali ainda é simples — sem barracas, estrutura ou placas. E isso é parte do charme.
Manta Point: nadar com arraias gigantes
Essa foi uma das experiências que mais ficou na memória: nadar com mantas gigantes.
O barco para em uma área aberta, sem praia, onde as arraias costumam se alimentar. A tripulação joga uma boia grande e desce junto com o grupo. As mantas não são agressivas, mas são imensas — e passam devagar, como se soubessem que estão sendo observadas.
A água ali é mais fria e o mergulho exige calma. Não tem chão visível. É só azul profundo e o movimento dos corpos sob a superfície. Algumas nadavam a poucos metros, outras sumiam no fundo. A sensação era de estar sendo aceita como visitante de um lugar que não é nosso.
Dica: esse é um passeio que depende das condições do mar e da época. Nem sempre as mantas aparecem. E quando aparecem, é sorte — mas também respeito. Evitar barulho, manter distância e não tocar é o básico.
Ilha de Komodo: mais do que dragões
A visita à ilha que dá nome ao parque foi tensa e bonita. Os dragões de Komodo, espécie única no mundo, vivem livres em partes da ilha. São monitorados por guias locais, que acompanham cada grupo com bastões de madeira — e olhos muito atentos.
A trilha dentro da ilha é curta, feita com guia, e há diferentes rotas. A nossa foi a mais longa, com cerca de 2 km. No caminho, a vegetação muda: começa seca, depois abre clareiras com árvores retorcidas e cheiro forte de terra quente.
Ver um dragão de perto é algo difícil de descrever. Eles são grandes, pesados, mas se movem com uma precisão silenciosa. O guia explicou que eles podem correr a até 20 km/h por curtas distâncias — e que, mesmo parecendo lentos, reagem muito rápido.
O passeio é seguro, mas pede atenção. Em um momento, um dragão cruzou nosso caminho devagar, nos ignorando. Foi aí que a ficha caiu: estávamos no habitat deles. A visita, na verdade, era nossa.
Essa eu fiquei sabendo lá: as fêmeas de dragão de Komodo podem se reproduzir sem parceiro — um processo chamado partenogênese. Isso foi descoberto recentemente e ainda surpreende até os guias locais, que mencionam esse detalhe com um certo orgulho.
Como escolher o passeio certo
A variedade de empresas que oferecem passeios pelo Parque Nacional é grande. E nem todas seguem os mesmos critérios de segurança, respeito ambiental e cuidado com o visitante.
A hospedagem que escolhemos já tinha parceria com uma equipe local, o que facilitou a logística. O barco era de médio porte, com dormitório simples, banheiro funcional e uma tripulação atenciosa. Não era luxo — mas era o conforto necessário pra uma experiência segura.
Dica essencial: pergunte sobre coletes salva-vidas, número de pessoas no grupo, horários de saída e política de cancelamento em caso de clima ruim. Isso evita frustração e garante que o passeio seja sobre contemplação — não sobre preocupação.
Quanto tempo ficar
O ideal é reservar pelo menos 2 a 3 dias inteiros para explorar a região com tempo.
Uma opção é fazer um passeio de um dia, voltando pra Labuan Bajo à noite — mas isso limita a experiência.
A melhor forma, e a que vivemos, é o passeio com uma ou duas noites a bordo, dormindo no barco, acordando com o mar, aproveitando a navegação como parte da jornada.
Ubud: entre arrozais, rituais e pausas que fazem sentido
No coração da ilha de Bali, Ubud guarda algo que vai além da estética que aparece nas redes sociais. É uma cidade onde os dias parecem respeitar um outro ritmo — mais circular, mais sensorial, mais atento.
Não é preciso muito esforço pra perceber que aqui espiritualidade, natureza e cotidiano se entrelaçam. Basta caminhar pelas ruas, sentir o cheiro do incenso nas calçadas, observar as oferendas diárias nas soleiras das casas. Nada ali parece forçado. É como se o tempo obedecesse a outra lógica.
Foi exatamente isso que buscamos: um tempo mais lento e uma vivência que não exigisse grandes feitos, mas presença real.
Entre os campos: o arroz que alimenta a terra e a cultura
O arrozal de Tegallalang é, sem dúvida, uma das paisagens mais famosas de Bali — e também uma das mais fotografadas. Mas por trás das fotos perfeitas, há uma realidade que merece ser vista com outros olhos.
Cada degrau ali é parte de um sistema ancestral de irrigação chamado subak, criado no século IX. Mais do que funcional, ele é espiritual: envolve não só a gestão da água, mas também a organização das comunidades e os rituais feitos nos templos da água. Caminhar por ali é entrar numa rede que conecta fé, natureza e trabalho diário.
É verdade que o turismo transformou o espaço. Hoje, há cafés com vista panorâmica, balanços suspensos e pontos de “foto perfeita”. Mas se você descer até os níveis mais baixos, onde o verde é mais intenso e o movimento é mais calmo, ainda dá pra sentir o campo vivo. Encontramos uma senhora replantando mudas e trocamos sorrisos com trabalhadores que, mesmo no meio do calor, nos cumprimentavam com um gesto leve de cabeça.
É um lugar bonito, sim. Mas também é um espaço de produção e sustento. Saber disso muda o jeito de caminhar por lá.
Outro espaço que visitamos foi o Alas Harum, que combina campo de arroz com estrutura turística mais elaborada. É ali que fica o famoso balanço sobre o vale, que pode parecer só uma atração, mas que nos entregou uma sensação inesperada: o corpo suspenso, o vento no rosto, a vista ampla dos terraços — por alguns segundos, tudo desacelerou de verdade.
Alas Harum também tem caminhos entre os arrozais, um café que serve pratos com ingredientes locais, e pequenas instalações artísticas ao longo da trilha. Apesar de ser um espaço preparado para turistas, ainda é possível encontrar trechos com silêncio e verde de verdade.
Rituais e templos: entre a fé vivida e a contemplação
Esse foi um dos lugares que mais exigiu respeito. Tirta Empul não é só um templo bonito — é um espaço de fé ativa. Construído ao redor de uma nascente sagrada, ele recebe diariamente moradores que praticam o melukat, ritual balinês de limpeza espiritual.
Antes de entrar na água, é preciso vestir o sarong (canga tradicional), fazer uma pequena oferenda e seguir a ordem correta das fontes. Cada uma tem uma função: purificar o corpo, o espírito, afastar energias negativas. Vimos famílias inteiras participando, algumas em silêncio, outras guiadas por sacerdotes locais. Nós também participamos, de forma discreta e com ajuda de um guia que explicou o processo com calma.
A experiência não foi mística. Foi concreta. Sentir a água fria caindo na cabeça, no meio de um templo ativo, com o som das preces e o cheiro de incenso no ar — foi como atravessar um gesto que vem sendo repetido há séculos.
Menos visitado, mas igualmente marcante, o Gunung Kawi Sebatu nos levou pra outra dimensão da fé balinesa. Diferente do Gunung Kawi tradicional (aquele das esculturas na rocha), esse templo é construído em torno de fontes de água e lagos com carpas. O som da água acompanha toda a visita. Nada ali parece grandioso — mas tudo é profundamente sereno.
É dedicado ao deus Vishnu, e tem espaços reservados para rituais de purificação realizados só pelos locais. A presença ali exige respeito silencioso. Não há filas. Não há poses. Apenas caminhos entre espelhos d’água, esculturas cobertas de musgo e uma sensação clara de que o tempo corre diferente.
No dia da nossa visita, vimos um pequeno grupo de mulheres balinesas deixando flores frescas e arroz num altar de pedra. Ninguém falava alto. Ninguém parecia com pressa. Era fé em estado cotidiano.
Saraswati: o templo escondido no centro da cidade
Dedicado à deusa da sabedoria, Saraswati Temple fica escondido atrás de um café no centro de Ubud — e talvez por isso mesmo surpreenda tanto.
É pequeno, mas cercado por lagos cheios de flores de lótus. E mesmo sendo de acesso livre, há um tipo de silêncio ali que não se explica. Não é sobre grandiosidade, mas sobre presença delicada.
Descobrimos que ali costumam acontecer pequenas apresentações de dança balinesa durante a noite. Não assistimos, mas só de passar pelo templo ao pôr do sol, com o barulho da cidade ficando mais distante, já foi suficiente.
Cuidado como parte da experiência
Entre templos, caminhadas e deslocamentos, o corpo também pediu descanso. Escolhemos uma experiência completa no hotel: massagem balinesa com óleo quente e banho de flores em ofurô ao ar livre.
A massagem segue a tradição local: pressão firme, movimentos contínuos e foco nos pontos de tensão do corpo. O banho, feito com pétalas frescas, é uma herança de rituais antigos que hoje se transformou em algo mais estético — mas ainda assim bonito e válido.
Mais do que relaxar, foi um jeito de encerrar uma fase da viagem. Sair da água morna, secar ao sol e sentir o cheiro das flores ainda na pele foi uma forma de voltar ao próprio corpo com mais atenção.
Os templos distantes que valem o desvio
Pura Lempuyang: muito além da foto no portão
Sim, é o famoso “Gates of Heaven”. Mas o que muita gente não sabe é que o Pura Lempuyang é um complexo de sete templos, que se espalham montanha acima — e que representam um caminho espiritual em ascensão.
Muitos turistas param na base, apenas pra fazer a foto com o reflexo (feito por um truque com espelho). Mas o mais interessante ali não é a foto — é o que acontece quando você observa os locais subindo os degraus com oferendas, em silêncio.
A subida completa pode levar mais de duas horas, e a vista depende do clima. No nosso caso, o tempo fechou. E ainda assim, só de estar ali já sentimos que estávamos atravessando um espaço diferente.
Tirta Gangga: a leveza do palácio de água
Construído por um dos últimos reis balineses, o Tirta Gangga mistura arquitetura palaciana com fontes, estátuas e lagos geométricos. É um espaço de contemplação e beleza — sem ser religioso.
O mais bonito? Os caminhos de pedra por onde se caminha sobre a água, cercado de carpas e flores. É um lugar pra ir com tempo. Pra andar sem destino. Pra observar.
Compramos frutas na entrada e comemos sentadas à sombra. Foi um respiro doce, num cenário que parecia quase inventado.
Ubud não foi sobre se encontrar.
Foi sobre escutar.
A terra, a água, o silêncio, os gestos.
E talvez seja por isso que ele ficou como um dos lugares mais inteiros dessa viagem.
Uluwatu: mar, cultura e o pôr do sol que encerrou a viagem do jeito certo
Uluwatu tem uma coisa que nenhuma outra parte de Bali nos ofereceu da mesma forma: um encontro direto com o mar, com a cultura viva e com o agora.
Depois de templos ancestrais, trilhas em vilarejos isolados e travessias de barco entre ilhas, a ideia de terminar a viagem no sul da ilha, com tempo pra respirar e integrar tudo, fez muito sentido.
Aqui, a beleza não vem só do visual de cartão-postal. Vem da mistura entre o litoral dramático e a forma como os balineses continuam celebrando suas tradições — mesmo com toda a estrutura turística que hoje existe ao redor.
As praias que marcam a chegada
Padang Padang: enseada escondida, acessada por fenda
O acesso já é um presente. Uma escadaria esculpida entre rochas leva até essa praia pequena, com mar turquesa, areia clara e cercada por falésias. O local ficou famoso por ter sido cenário de “Comer, Rezar, Amar”, mas felizmente ainda mantém um certo ar reservado — especialmente se você chega cedo.
Na maré baixa, o mar vira quase uma piscina. Mas o que marcou mesmo foi a sensação de estar num espaço onde a natureza se impôs com elegância.
Curiosidade: o nome local da praia é Labuan Sait. Alguns dias há cerimônias religiosas feitas por moradores, com oferendas na areia — se você encontrar alguma, o ideal é observar com respeito e sem invadir o espaço.
Bingin Beach: descida longa, mas recompensa generosa
A escadaria até Bingin é um mini trekking: mais de 150 degraus entre casas locais, vilas de surfistas e pequenos cafés. No caminho, vimos crianças brincando descalças e pequenos altares com flores frescas.
Chegando na praia, a vibe muda. Aqui, o mar é para os surfistas, e a areia recebe quem quer sossego. A estrutura é simples, mas charmosa: bares de madeira, cadeiras improvisadas, pratos feitos com peixe do dia.
Foi onde pedimos um prato de nasi goreng (arroz frito típico balinês) com ovo e legumes, num restaurante pequeno de frente pro mar. Simples, barato e delicioso.
Dica prática: por ser uma praia de difícil acesso, leve tudo que precisa: água, toalha, dinheiro trocado. E lembre-se: na subida, o calor pesa mais.
O pôr do sol mais celebrado de Bali
A região de Uluwatu Beach tem uma energia particular no fim da tarde. Do alto das falésias, o mar se estende até onde os olhos alcançam — e é ali que fica o Single Fin, o bar mais conhecido da região.
Fomos sem grandes expectativas, e encontramos um ambiente leve: drinks bem feitos, boa música e uma vista que justificava a fama.
O pôr do sol ali é diferente: o céu se move em degradês laranjas e rosados enquanto o som ambiente vai aumentando suavemente. Não tem histeria. Tem clima. A sensação é de que todo mundo ali entende que está vivendo um encerramento bonito do dia.
Tradição viva no alto da falésia
Construído no século XI, o Pura Luhur Uluwatu é um dos templos mais importantes de Bali. Ele fica literalmente no limite de um penhasco com mais de 70 metros de altura. É dedicado a Rudra, uma manifestação de Shiva — o que explica sua localização extrema, voltada ao mar, onde os deuses da natureza são reverenciados.
Visitamos no fim da tarde, perto das 17h, pra assistir à famosa Kecak Dance. O ingresso é separado da entrada do templo e é bom chegar com certa antecedência: os assentos se esgotam rápido.
A dança é realizada num círculo ao ar livre, com dezenas de homens entoando sons rítmicos com a boca. É quase hipnótico. A história encenada vem do Ramayana, epopeia hindu que fala de coragem, amor e lealdade.
O sol se pôs enquanto o fogo no centro do palco era aceso. A sensação era de estar vendo algo realmente ancestral, mesmo com tantas câmeras ao redor.
Importante: usar sarong (canga) e faixa na cintura é obrigatório — fornecido na entrada.
Cuidados: os macacos do templo são famosos por “colecionar” óculos, bonés e celulares. Evitamos acessórios e deixamos tudo bem guardado — e vimos gente arrependida por não fazer o mesmo.
O descanso final com sabor de celebração
No último dia, trocamos o agito por algo mais suave: o Ulu Cliffhouse, um beach club suspenso sobre o mar com estrutura de restaurante, bar e piscina.
Ali, a vista é mesmo impressionante. Mas o que chamou atenção foi o cuidado com o serviço e os sabores. Pedimos entradas com temperos locais, peixe fresco e coquetéis tropicais — tudo servido sem pressa, num ambiente que convida a prolongar a tarde.
Sentamos perto do parapeito e ficamos observando as ondas lá embaixo, os surfistas pequenos na distância, e aquele azul que não cansa.
Dica extra: o espaço é mais tranquilo durante a semana. Nos fins de semana, é bom reservar com antecedência.
Uluwatu como ponto de chegada (e não só de partida)
Encerrar por aqui foi mais do que um fechamento bonito. Foi um respiro consciente depois de uma viagem cheia de contrastes.
Uluwatu não nos pediu pressa. Nem pose.
Pediu só presença — e um pouco de disposição pra olhar o mar até o fim, com o coração mais calmo e a mala já meio aberta pras memórias.
O que ninguém te conta (mas deveria)
O trânsito em Bali pode engolir o seu tempo
Você ouve falar, mas só entende mesmo quando vive. Em Ubud, por exemplo, o deslocamento entre dois templos que estão a poucos quilômetros pode levar mais de uma hora — principalmente nos horários em que turistas, caminhões de entrega, motos e cerimônias locais dividem as mesmas estradas estreitas. Isso muda completamente o ritmo do dia e, se você planeja ver “quatro atrações em uma manhã”, a frustração é quase certa. A melhor saída foi a mais óbvia: menos planos, mais margem. O tempo de trânsito passou a ser parte do dia, não um obstáculo.
Visitar templos é lindo — mas tem regras que ninguém explica
Em Bali, entrar em um templo não é só “fazer uma visita cultural”. É adentrar um espaço vivo de espiritualidade, com rituais acontecendo a qualquer hora. Por isso, há códigos de vestimenta que não são opcionais: pernas cobertas, ombros protegidos, cabeça descoberta. Quase todos os templos oferecem empréstimo de sarong (a canga tradicional), mas levar a sua facilita — e demonstra respeito.
E tem a regra que mais surpreende turistas: mulheres menstruadas não podem entrar em templos hinduístas. Não é tabu moderno nem julgamento — é tradição ancestral. E é levada a sério. Melhor saber disso antes de montar o roteiro do dia.
A comida é deliciosa, mas precisa de cuidado
A culinária indonésia é saborosa, rica em especiarias, molhos e preparos feitos na hora. Mas em algumas regiões, especialmente nas ilhas com estrutura mais simples, alguns cuidados foram essenciais pra manter a saúde do grupo. Evitamos gelo em bebidas (já que nem sempre a água é filtrada), saladas cruas em vilarejos afastados e frutas descascadas fora do hotel.
Também aprendemos a perguntar sobre os ingredientes dos caldos. Em muitos warungs (restaurantes locais), um prato “sem carne” pode vir com caldo de peixe — o que faz diferença pra vegetarianas ou quem tem alergias. Foi perguntando, apontando, às vezes mostrando uma imagem no celular que a gente conseguiu comer bem e evitar problemas.
Nem toda experiência de bem-estar é o que parece
Bali é conhecida pelos rituais de cura, banhos florais, massagens, yoga, retiros… Mas a verdade é que muita coisa virou só um pacote bem montado pra agradar turista. A gente viu aulas de yoga com 30 pessoas tirando selfie, rituais em massa onde a única coisa sentida era a pressa, e “banhos espirituais” com fila de espera e luz de ring light.
O que funcionou mesmo foi o que não foi vendido como mágico: um banho de flores silencioso no fim da tarde, uma aula com professora local no jardim do hotel, uma massagem tradicional feita com óleo quente e zero conversa. O bem-estar real veio dos gestos pequenos — e não das promessas grandes.
O imprevisto faz parte do pacote
A Indonésia é intensa, linda e também um pouco caótica. Voos mudam de horário no dia do embarque, passeios são cancelados por causa do clima, e barcos que “sairiam às 9h” às vezes saem só depois do almoço. Isso não é desorganização — é o ritmo local. Tentar controlar tudo só aumentaria a ansiedade. A gente entendeu isso cedo e fez o que foi mais inteligente: deixou folgas no roteiro. E foi esse espaço que salvou a leveza da viagem.
E uma última coisa: o tempo ali é outro
Não só o tempo do relógio, mas o tempo interno. A forma como o dia acontece. A maneira como os balineses param pra fazer oferendas várias vezes por dia. Como eles celebram a Lua Nova e a Lua Cheia com feriados e silêncio. Tem um outro compasso rolando ali — e se você conseguir embarcar nisso, tudo muda. Não é sobre parar de fazer. É sobre fazer com outro ritmo.
Entre ilhas, pausas e escolhas conscientes
Viajar pela Indonésia com amigas foi menos sobre “ver tudo” e mais sobre escolher o que realmente queríamos viver. A gente não foi em busca de grandes marcos. Fomos atrás de respiros. E, no fim, foi isso que as ilhas nos deram — cada uma do seu jeito.
Flores nos ensinou a andar devagar. Komodo nos lembrou que a natureza tem um tamanho que a gente não controla. E Bali… Bali foi o ponto de pausa. Um lugar pra integrar, cuidar do corpo, deixar o tempo escorrer com mais leveza.
O que fizemos aqui não foi um guia. Foi um mapa vivido. Pensado pra quem, como a gente, quer viajar com presença, sem se perder em promessas prontas ou calendários esmagados.
Se você chegou até aqui, talvez esteja nesse mesmo momento: procurando menos perfeição e mais verdade nos caminhos que escolhe. E se for isso, a boa notícia é que essa viagem ainda tem mais pra render.
Nos próximos artigos, vamos abrir o bastidor de tudo: como escolhemos as hospedagens, como lidamos com a divisão de gastos em grupo, como montar um roteiro flexível (sem cair nas ciladas das “agências instagramáveis”) e como levar o que vivemos pra dentro da rotina — com calma, com critério e sem precisar atravessar o mundo.
A estrada continua por aqui. Até já.