Vista noturna de Žabljak coberta de neve, com luzes suaves nas casas e montanhas Durmitor ao fundo, em Montenegro durante o inverno

Inverno em Montenegro: como vivemos a neve, os vilarejos e o silêncio longe do turismo de massa

A gente sempre sonhou em ver neve.
Mas sem a fila da gôndola, o preço do fondue suíço ou a sensação de que você precisa ser expert pra caber naquele cenário de montanha.

Foi aí que a gente descobriu Montenegro no inverno.
Menos glamour, mais real. Menos multidão, mais espaço. E o melhor: um país que combina natureza, cultura e estações de esqui — com custos muito mais acessíveis que os vizinhos famosos da Europa.

A viagem começou com uma ideia simples: curtir o frio, ver paisagem branca, comer bem e sair um pouco da rota. Acabou virando uma experiência deliciosa entre vilarejos cobertos de neve, cafés com sopa quente, trilhas tranquilas e descobertas que só o inverno revela.

Se você também quer viver o inverno europeu sem competir por espaço, esse artigo é pra você. Montenegro entrega muito — e sem fazer esforço pra parecer mais do que é.

Montenegro entrou no mapa assim: de mansinho e com neve

Antes mesmo da viagem, a gente já estava meio cansada daquele clichê de inverno europeu que parece desfile de moda. Roupas caras, filas pra pegar gôndola, aquela vibe meio ostentação em tudo — e no fim, você mal consegue curtir o frio sem pensar no preço do fondue. A gente queria outra coisa. Queria neve, sim. Mas queria espaço, silêncio, lugares com alma. Uma experiência mais vivida do que fotografada.

Foi aí que Montenegro apareceu. Não foi amor à primeira vista — até porque ninguém fala muito dele. Mas quanto mais a gente pesquisava, mais parecia fazer sentido. Um país pequeno, ali nos Bálcãs, entre Croácia, Bósnia e Albânia. Com litoral, cidade medieval, montanha de verdade. Europa, mas com um pé no leste. Um lugar meio fora do radar, e por isso mesmo, mais autêntico. E aí vieram os bônus: euro como moeda, brasileiros entram sem visto, e tudo bem mais barato que os destinos de neve da moda. A escolha veio fácil.

O trajeto também não teve segredo. Saímos de São Paulo, voamos até Istambul e de lá pegamos um voo direto pra Podgorica, a capital. Esse caminho pela Turkish Airlines é um dos mais tranquilos — voos frequentes, tempo razoável, nada de conexões malucas. Chegar em Montenegro foi quase anticlimático, no melhor sentido: aeroporto pequeno, imigração rápida, zero estresse.

A gente já tinha decidido alugar carro. Montenegro é montanhoso, e depender de transporte público em pleno inverno ia limitar demais. Pegamos o carro ali mesmo no aeroporto, ligamos a playlist de músicas balcânicas que tínhamos baixado por pura curiosidade, e fomos. A estrada já começou entregando: curvas entre florestas, neve caindo leve, vilarejos que apareciam do nada com fumaça saindo das chaminés. Era como se o país estivesse ali, quieto, esperando ser notado.

E o que mais nos ganhou foi isso: Montenegro não tenta impressionar. Ele só é. Rústico em alguns trechos, encantador em outros. A gente parava pra tomar café em cidadezinhas que mal sabiam o que fazer com turistas. Falávamos em inglês misturado com gestos e sorrisos, e tudo funcionava. A sensação era de estar num lugar onde o turismo ainda não virou produto. Onde as pessoas ainda vivem, e não performam.

Usar euro facilitou muito. Levamos um pouco em espécie, mas usamos bastante cartão e sacamos em caixa eletrônico sem dor de cabeça. Nada de conversão esquisita ou pegadinha de câmbio. E o custo… bom, o custo foi o que mais surpreendeu. Comíamos bem, tomávamos vinho local, dormíamos com vista pras montanhas, e não parecia que estávamos economizando — só aproveitando.

A real é que essa viagem não foi sobre ir longe. Foi sobre ir fundo. Montenegro se mostrou um país que não grita pra ser visto. Mas quem para pra olhar, não esquece.

Duas bases, dois invernos: entre a neve que cala e a que acolhe

Montenegro foi nossa primeira experiência com neve real — aquela que cobre telhado, fecha estrada, congela lago. E escolher dividir a estadia entre Žabljak e Kolašin foi o que deu forma pra tudo isso.

Foram só alguns dias, mas tão bem divididos que pareciam duas viagens em uma. Uma mais crua, silenciosa e selvagem. A outra mais estruturada, social e confortável.

Žabljak: onde o inverno ainda é de verdade

A gente começou a viagem por Žabljak, uma cidadezinha no norte de Montenegro que parece esquecida no tempo — do jeito bom. Pequena, silenciosa, cercada por montanhas e coberta de neve no inverno, Žabljak é a base ideal pra explorar o Parque Nacional Durmitor, um dos cenários naturais mais impressionantes dos Bálcãs.

Chegar ali de carro, saindo de Podgorica, leva em torno de 2h30. A estrada é cênica, cheia de curvas que revelam florestas densas, penhascos nevados e vilarejos com telhados brancos e fumaça saindo das chaminés. A gente já sentia o frio ficando mais intenso conforme subia — e junto com ele, aquela sensação boa de estar indo pra um lugar que ainda escapa do turismo em massa.

Žabljak é pequena, mas funcional. Tem o que importa: hospedagens com calefação decente, lojinhas locais, mercados pequenos, cafés familiares e restaurantes que servem pratos típicos como sopa de carne, batatas com queijo defumado e o famoso rakija — que a gente só descobriu depois que esquenta mesmo.

Mas o que trouxe a gente até aqui foi o Durmitor, declarado Patrimônio Mundial pela UNESCO. Um parque com mais de 18 lagos glaciais, montanhas escarpadas e trilhas que parecem saídas de um documentário. No inverno, tudo muda de cor e de ritmo. A vegetação some sob a neve, os lagos congelam, e o silêncio fica quase palpável.

Nosso foco foi o Crno Jezero — o Lago Negro. É o maior do parque, rodeado por floresta de pinheiros e totalmente acessível no inverno, desde que você esteja preparada. A trilha é relativamente fácil, mas com neve acumulada, decidimos contratar um guia local. E foi uma das melhores escolhas da viagem.

O guia — que cresceu ali, conhecia cada árvore — trouxe mais do que segurança. Ele transformou a caminhada numa experiência. Mostrou pegadas de animais na neve, explicou lendas locais sobre o lago, contou como o gelo se forma e se desfaz ao longo das semanas. E ainda parava quando percebia que a gente só queria ficar em silêncio, olhando a paisagem.

O lago, no inverno, é surreal. Metade congelado, metade espelhado, com as montanhas refletindo num azul frio. Não tinha ninguém além da gente e do som da neve sob as botas. Não dava vontade de sair.

No dia seguinte, nos aventuramos na estação de esqui Savin Kuk. Ela é menor, sim — tem cerca de 4,6 km de pistas — mas funciona bem pra quem quer esquiar sem pressão. Alugamos o equipamento ali mesmo, compramos o passe diário, e passamos o dia subindo e descendo a montanha, com pausas pra aquecer as mãos e tomar chocolate quente no bar da base. Não tinha ostentação, mas tinha cenário. E mais importante: tinha espaço pra errar, rir, e aproveitar.

Žabljak foi o lado mais cru da viagem. Não cru de falta, mas de essência. Montanha real, povo simples, natureza imensa. Foi o começo ideal — o tipo de lugar que não se vende como destino de inverno, mas entrega tudo que a gente queria sem prometer demais.

De lá, seguimos estrada até Kolašin, com o corpo cansado e o coração vibrando. A gente não queria repetir a experiência — queria virar a página, mas sem sair da mesma história.

Kolašin 1600: neve com estrutura, floresta viva e sabor de montanha

Se Zabljak foi o lado mais cru da viagem, Kolašin veio como uma pausa com conforto — sem tirar o frio, mas trazendo mais calor. A gente chegou ali com o corpo cansado e a alma acesa, querendo um lugar onde fosse possível esquiar, mas também comer bem, descansar com gosto e deixar o tempo passar sem que ele parecesse desperdiçado.

A cidade de Kolašin é pequena, mas tem movimento. Logo nos primeiros minutos, a gente percebe que ali o inverno é vivido, não apenas visitado. Cafés com vitrines embaçadas, mercados com produtos locais, vozes em outras línguas — mas num volume baixo, sem tumulto. Nos hospedamos num chalé afastado, com lareira, vista pras montanhas e aquele silêncio que só a neve sabe construir. Acordar ali era um presente: o vapor do café subindo enquanto a névoa cobria o topo da floresta — parecia que o dia se desenrolava devagar, do jeito certo.

As estações Kolašin 1450 e Kolašin 1600 são conectadas, com boa estrutura, pistas bem cuidadas e aluguel de equipamento na base. A gente não foi pra bater tempo, foi pra brincar mesmo — com roupa térmica, queda na neve fofa e pausa constante pra chocolate quente no bar da montanha. E mesmo assim, saímos com aquela sensação de missão cumprida. Tem pista azul pra quem tá começando, pista vermelha pra quem quer mais emoção e até opção de aula com instrutor local, que, mesmo com inglês precário, ensina com humor e cuidado.

Mas o que transformou Kolašin em mais do que uma parada de esqui foram as pequenas escolhas que a gente fez.

Num dos dias, pegamos o carro e dirigimos até o Parque Nacional Biogradska Gora. Pouco falado nos roteiros clássicos, mas pra mim, foi um dos lugares mais bonitos que já vi. O Lago Biogradsko, mesmo congelado, parecia vivo. Cercado por floresta antiga, com galhos brancos desenhando o céu, e um silêncio que só é quebrado pelo som da neve sob os pés. Não é um parque feito pra impressionar com placas ou mirantes. Ele te convida a andar, a olhar, a aquietar. E a gente fez isso: caminhou, tirou foto, ficou parada só olhando o lago refletindo o branco. Foi daqueles momentos em que a paisagem conversa com o que você carrega por dentro.

E antes de ir embora, encaixamos uma experiência que veio como uma surpresa boa: uma visita a uma fazenda familiar nos arredores da cidade. O tipo de coisa que você não encontra no Google, mas descobre perguntando no café. Fomos recebidas com pão saindo do forno, queijos curados feitos ali mesmo, mel fresco e uma dose generosa de rakija — o destilado local que esquenta mais que cachecol. A dona da casa falava pouco inglês, mas ria com os olhos. Contou da produção, dos filhos que moram longe, da neve que chegou cedo naquele ano. E no fim, a gente saiu de lá carregando mais do que sabores: levamos uma história que virou parte da viagem.

Kolašin foi mais estruturada, mais confortável, mais fácil. Mas não menos intensa. Foi onde a gente se deixou cuidar pelo lugar — e talvez por isso, saímos de lá mais inteiras.

Era como se Žabljak tivesse mostrado o silêncio do inverno. E Kolašin, o seu abraço.

Quando o inverno ensina devagar

Voltar de Montenegro foi estranho. A mala veio com cheiro de madeira queimada, meias ainda úmidas da neve e a memória de paisagens que pareciam não caber dentro do tempo. Mas o mais marcante não foi o que vimos — foi como o país fez a gente se sentir.

Porque Montenegro, no inverno, não se impõe. Ele convida. Não te joga em filas ou vitrines. Ele abre espaço. E é nesse espaço que a gente se reconhece: como quem pode aprender a andar na neve sem pressa, pedir uma sopa sem saber o nome, aceitar o silêncio como parte do caminho.

Viajar com uma amiga deixou tudo ainda mais significativo. A gente riu do tombo no esqui, dividiu chocolate quente, ficou muda diante de um lago congelado. Descobrimos que não precisa muito pra que um lugar desconhecido se torne parte de quem a gente é.

Se você tem vontade de viver o inverno fora da rota, longe do barulho das estações famosas, Montenegro pode ser esse refúgio. Um país pequeno, mas que entrega grande — não em atrações espetaculares, mas em momentos que você leva pra sempre.

E é isso que, no fim, a gente mais quer: uma viagem que vá fundo, mesmo que não vá longe.

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